Quando se pensa em revolução logo vem à mente um cenário inquieto, onde as pessoas estão insatisfeitas e anseiam por mudanças, mas que sejam profundas, que transformem algo e sejam efetivas. Uma revolução que atinja no íntimo e mude as bases estruturais, mas quem será que faz essa revolução? Um único agente, um grupo, uma comunidade, o poder público, então,quem? O diálogo sobre o tema foi discutido por dois dias, ao longo do Sangue na Guelra, simpósio que aconteceu nos dias 03 e 04 de junho, no Porto de Lisboa.
Foram intensas, polêmicas e relevantes discussões sobre o movimento gastronômico português, com direito a uma programação rica em conteúdo e convidados nacionais e internacionais, que apresentaram cases inspiradores. Os principais temas e frases abordadas nos Talk on #Revolution:
- Pouco ativismo por parte dos chefs midiáticos;
- Necessidade de uma mudança estrutural e não superficial na gastronomia portuguesa;
- A revolução na gastronomia portuguesa é recente;
- A influência do turista no boom gastronômico em Portugal;
- A revolução é individual, mas os propósitos de um mundo melhor e conjunto;
- Sustentabilidade financeira
- Cozinha portuguesa é cozinhar com produtos portugueses;
- Má formação das escolas técnicas;
- Discursos superficiais e rasos sobre revolução na alimentação e tendências da alimentação tendo em vista as necessidades de mudanças pela insustentabilidade do sistema de consumo atual.
Nas apresentações individuais os convidados compartilharam seus respectivos projetos, sendo cases de sucesso e muito inspiração. Este ano os brasileiros tiveram grande espaço no simpósio, tendo a participação mais do que especial da Ana Luiza Trajano (fundadora do Instituto Brasil a Gosto). Que mulher revolucionária! O chef César Costa, do restaurante Corrutela mostrou como é possível adotar práticas sustentáveis e ainda ser financeiramente lucrativo. O casal Janaína e Jefferson Rueda (Bar Dona Onça e A Casa do Porco) fecharam com chave de diamante o evento e apresentaram de forma concreta a revolução que têm feito, no centro de São Paulo, e o papel ativista que desempenham. Para eles é preciso “gentrificar”, trazer pessoas e manter as que já existiam no bairro e todos interagirem.
Durante o simpósio ainda ocorreram diversas apresentações incríveis de projetos, como a Entogreen, produção de insetos, os Biovivos, uma espécie de agro-farmácia social, local e sustentável. Ainda houve o case da cidade de Idanha, em Portugal, além da trajetória da revista de gastronomia sueca, Fool Magazine e a aula da revolução gastronômica espanhola pelo crítico Rafael Garcia Santos.
Talk on #Revolution
Nos dois dias do simpósio, o palco foi tomado por diálogos e discussões entre chefs locais sobre o movimento gastronômico e o futuro da cozinha portuguesa e os seus papéis enquanto agentes dessa mudança. Entre os participantes do primeiro dia esteve o Alexandre Silva (LOCO), Artur Gomes (Erva), Michele Marques (Mercearia Gadanha), Tiago Santos (Quorum) e Pedro Pena Bastos (Ceia). Já o segundo dia contou com a presença do António Galapito (Prado), Hugo Brito (Boi-Cavalo), André Lança Cordeiro (Essencial) e Henrique Sá Pessoa (Alma).
“Cozinha portuguesa é cozinhar com produtos portugueses.” Alexandre Silva (LOCO).
“Acho que não pode culpar os novos, pois não se traz a área para dentro da formação, mas faz formação para a área. E o que acaba parecer um tanto contrassensual.” Artur Gomes (Erva).
“A revolução está em nós. Está naquilo que nós podemos fazer. Esse é um pequeno passo para mudar e impactar a nível nacional e mundial.” Michele Marques (Mercearia Gadanha).
“Revolução sem revolucionário e patinar na maionese. Essa mudança pragmática tem que crescer de dentro de nós.” Tiago Santos (Quorum).
“Nós somos responsáveis pelo nossa legado no planeta e a marca que deixamos […] Portugal está bom mas falta muito para chegar a países, como França, Itália e Japão.” Pedro Pena Bastos (Ceia).
Participação do público:
“Eu ouço isso (revolução na gastronomia) há dez anos. Isso não é revolução. Se quiserem de fato uma revolução têm de fato fazê-lo […] O mundo mudou e mudou muitíssimo. E quando olho para os restaurantes de vocês vejo que essa mudança vos passa ao lado. […] Falam em sustentabilidade mas há só pratos de peixe ou carne. Daqui a 10 anos vão servir, na Ásia, frango cultivado (cultured meat). Cozinha não é só saber cozinhar.” Paulina Mata (coordenadora do mestrado de Ciências Gastronômicas FCT).
“Cada um tem a sua forma de fazer revolução. Acho muito importante entender que precisamos respeitar as opiniões individuais. E não precisamos ser amigos uns dos outros. Precisamos não perder o foco de que todos nós queremos construir um mundo melhor.” Ana Luiza Trajano (fundadora Brasil a Gosto).
Segundo dia…
“O público português não está informado o suficiente. Existe a necessidade de informá-los mas é difícil já que estão habituados a pratos por 7 euros.” António Galapito (Prado).
“Eu não noto uma mudança estrutural e profunda, principalmente com os portugueses.” Hugo Brito (Boi-Cavalo).
“Esse boom de turistas permitiu uma sustentabilidade financeira […] Primeiro, tenho que me preocupar com os ordenados de quem trabalha comigo. Depois posso ajudar as outras pessoas as serem sustentáveis.” André Lança Cordeiro (Essencial).
“Há cinco anos surgiram projetos que eram impossíveis de acontecer há 10 anos. Isso acontece devido aos chefs e por causa do turismo. A revolução começa quando temos jovens a querer mostrar uma cozinha mais pessoal e atual.” Henrique Sá Pessoa (Alma).